Falta de servidores no Iphan atrasa obras no centro de São Luiz Gonzaga
Mesmo seguindo procedimentos estabelecidos pelo órgão, moradores reclamam da demora e da falta de respostas do Iphan. Obras em torno de um quarteirão estão paralisadas

Obras em um quarteirão foram paralisadas pelo Iphan – Foto: Rádio São Luiz
A história de São Luiz Gonzaga possui raízes fortes nas reduções Jesuíticas Guarani que deram origem a cidade conhecida como “Capital Estadual da Música Missioneira”. Cultura e história se entrelaçam na música e no cotidiano da cidade, no entanto, recentemente, as mesmas raízes missioneiras têm gerado um impasse que afeta os moradores locais. O que começou após o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) embargar uma série de construções no centro do município. O motivo: a necessidade de estudos arqueológicos para investigar vestígios da redução de São Luiz Gonzaga no subsolo dos terrenos.
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A área embargada é equivalente a um quarteirão que vai da esquina da rua Primeiro de Março, com a rua Treze de Maio, seguindo em direção oeste até a rua General Portinho e da rua Venâncio Aires até a rua Marechal Floriano Peixoto. Isso considerando o lado interno do quadrilátero, exatamente onde ficava a sede da redução jesuítica-guarani. Porém, os moradores e empresários donos dos imóveis na área não discutem as normas do Iphan. A grande questão, alvo de críticas, é a demora do órgão em responder aos projetos e as demandas da população. De acordo com a autarquia, a falta de servidores é a razão para a demora em atender as solicitações.
“É uma situação muito difícil, porque o processo é muito moroso, não anda. Não somos contra o que precisa ser feito (para o licenciamento), mas estamos chateados com a morosidade do processo”, conta Clara Lucia Paz Medeiros. Ela possui um laboratório na rua Dr. Bento Soeiro de Souza, porém o local se tornou insuficiente para atender as demandas da clínica, por isso, Clara comprou uma casa na rua São João, dentro do quarteirão da antiga redução.
A proprietária comenta que ao começar o processo de demolição da casa para construir a nova sede do laboratório, foi notificada pelo Iphan e teve de interromper a obra. Mesmo tendo contratado um arquiteto e arqueólogo para cuidar do projeto, aguarda pela resposta há dois anos. “O ideal seria que viessem fazer a escavação e liberassem o terreno para fazermos a obra”, reclama Clara Lucia.
De acordo com o arquiteto Kelvin Kleinubing, responsável pelo projeto do novo laboratório de Clara e outras na cidade, toda obra no quarteirão precisa da aprovação do Iphan. “Precisamos sempre informar o Iphan o que precisamos fazer naquele lote, para que eles possam nos orientar para o que eles precisam: projeto de pesquisa ou acompanhamento de arqueólogos”. Segundo ele, por conta da relevância das Missões, o órgão tem pedido com mais frequência a presença de arqueólogos para análise dos vestígios encontrados no terreno e que possam ser considerados como patrimônio histórico.

Maquete mostra como eram as reduções – Arquivo/Rádio São Luiz
Projetos são elaborados, mas o Iphan não dá retorno
Kelvin explica que a principal dificuldade para obter o aval para as construções é a demora nas respostas a esses projetos e estudos arqueológicos. “O que de fato acontece é a morosidade nesse processo”, aponta o arquiteto. Por conta das obras paradas, Kelvin calcula um prejuízo de mais de R$2 milhões para sua construtora. “Estamos sempre cobrando, mas não temos respostas ou, quando temos, a resposta é aguarde”, acrescenta.
A opinião é compartilhada pelo engenheiro civil Marcos Vinícius. O profissional pondera e salienta que o Iphan não proíbe as construções, apenas segue as regras estabelecidas pela legislação que regulamenta a atuação do órgão. Uma das alternativas mencionadas pelo engenheiro para solucionar o problema da demora, seria justamente realizar um processo em conjunto, com a coordenação da prefeitura. “Estamos em uma situação que desanima investimentos em São Luiz Gonzaga”, pontua.
Paulo Pires é proprietário de imóvel na rua Senador Pinheiro, esquina com a Rua General Portinho. Ele cita o investimento feito após a derrubada de uma casa com cerca de 50 anos para a instalação de um prédio da Unicred, interrompida pelo Iphan. “Se tornou uma coisa muito cara, de difícil operacionalização e, infelizmente, quem perde é a comunidade”, comenta Paulo. Segundo ele, mesmo com a contratação de um arqueólogo, o processo não andou.
“Não desistimos e nem vamos desistir, mas infelizmente isso no interior não tem tanta repercussão”. Paulo Pires ressalta a relevância das obras para o desenvolvimento do centro da cidade. O proprietário critica a dificuldade de diálogo com o Iphan, o que poderia facilitar a resolução do problema.
Sonhos adiados
Relato semelhante ao de Paulo Pires é dado pela são-luizense Nilda Gripp. Ao lado do sogro, Edgar Chaparini, ela pretende construir uma nova sede para a relojoaria da família na Av. Senador Pinheiro Machado.“Estamos com o projeto pronto há 4 meses, mas estamos esperando o arqueólogo. Semana a semana, o arqueólogo diz que foi um despacho e vai para outra coisa”, descreve Nilda
Segundo ela, a construção da relojoaria é o sonho dela e do sogro. “Cada dia ele pergunta, alguma notícia do arqueólogo?”. Nilda acrescenta que, quando fez a compra do imóvel, não sabia que precisaria passar por esses trâmites. Outro empresário surpreendido pela notificação do Iphan foi Amauri Feron, dono de uma rede de supermercados local.

Terrenos seguem sem ser utilizados – Foto: Rádio São Luiz
Dono de um terreno na Rua Venâncio Aires esquina, Amauri tinha planos de construir um novo supermercado e um estacionamento na área. O proprietário cita que o projeto não iria mexer no terreno, apenas aumentar o prédio que já está construído no local. “A melhoria da minha empresa iria acontecer a partir desse empreendimento, mas as coisas não acontecem”. Amauri menciona que está em contato com a prefeitura para ter um retorno. Ele reclama da falta de orientações sobre o que precisa ser feito para regularizar a situação da construção.
“Além do prejuízo imobiliário, a construção civil perde, porque são vários empreendimentos que envolvem o ramo, que está totalmente parado”, contextualiza Amauri. O empresário também explica que a dificuldade em cuidar do terreno e a falta de avanço nas obras, tem a ver com a burocracia do Iphan e não com a falta de atenção dos proprietários. “O cavalo está passando encilhado e estamos esperando”.
Prefeitura pretende contratar um arqueólogo
Um dos elementos mencionados pelo arquiteto Kelvin Kleinubing que poderia ajudar no avanço dos projetos é a contratação de um arqueólogo pela prefeitura. “Se o município contratar um arqueólogo, ele faria uma portaria para todo o quarteirão sempre aberta, então as coisas poderiam andar de forma mais rápida, conjunta”. Kelvin cita o exemplo do município de São Ângelo, que possui um profissional da área contratado.
Sobre isso, mesmo com a contratação de um arqueólogo pela prefeitura, o engenheiro Marcos Vinícius acredita que o problema vai mais além e envolve a dificuldade do órgão em analisar os processos. Ele contextualiza a forma como o licenciamento foi feito em Santo Ângelo e São Miguel das Missões. “Em Santo Ângelo, naquele quadrilátero que equivale a redução, não tem mais construções novas e a cidade se espraiou, justamente para sair do quadrilátero”. Na visão do engenheiro, a questão histórica é importante para o turismo da região e pode ser fonte de renda para os municípios, no entanto, antes é preciso saber o valor daquilo que está abaixo do solo.
Marcos Vinícius destaca a necessidade de buscar soluções, principalmente por meio da política. O profissional cita o caso da prefeitura de São Luiz Gonzaga, que em caso de uma reforma que interfira na estrutura original, também vai demandar a licença do Iphan, algo que, na visão dele pode acontecer em breve, uma vez que o prédio não atende aos parâmetros de acessibilidade. “Para visitar o prefeito, uma pessoa com deficiência não pode por conta da escada, tem que ter um elevador ali. Isso está vencido, porque a lei é de 2005”, alerta o engenheiro.
Em entrevista sobre o impasse, o prefeito de São Luiz Gonzaga, Sidney Brondani, também menciona a dificuldade em obter retorno do órgão. “Todos querem cumprir o que determina o Iphan, o que complica é a demora”. O prefeito elenca algumas das reuniões feitas com membros do Iphan para buscar soluções, o que esbarra na falta de funcionários da autarquia. Na época, em um dos encontros, o gestor teria citado que “o centro de São Luiz Gonzaga está proibido de crescer”.
Segundo o prefeito, existe a previsão de um concurso para contratação de um arqueólogo. “A partir do ano que vem a prefeitura terá um arqueólogo, o que pode diminuir esse espaço entre a elaboração do projeto e a autorização do Iphan”. No entanto, Brondani aponta que o papel desse profissional seria de orientar e acelerar os processos, porém a análise segue sendo feita pelo Iphan e segue alguns critérios de prioridade: em primeiro lugar atender a decisões judiciais, depois obras públicas e, em terceiro, obras particulares.

Vista área da praça central e seu entorno – Foto: Captura de tela/Google Earth
O que diz o Iphan?
Procurado para comentar o caso das construções embargadas no centro de São Luiz Gonzaga, o arqueólogo e chefe do escritório técnico do Iphan em São Miguel das Missões, Filipi Gomes de Pompeu, explica quais são as atribuições do órgão, em especial na manutenção e preservação do Parque Histórico Nacional das Missões, em São Miguel.
“Não é muito evidente às vezes esses caminhos do Iphan, mas estamos em momento de aproximação com as comunidades. Então estamos entrando em um bom para conversas sobre arqueologia, história, patrimônio e desenvolvimento das cidades”. Segundo o especialista, embora São Luiz Gonzaga não faça parte do parque, os materiais que podem estar abaixo do solo da cidade também são de interesse do Iphan por fazerem parte da história das missões.
De acordo com o arqueólogo, mesmo detalhes das casas e construções jesuíticas podem ajudar a contar a história das Missões, por isso a necessidade de protocolos para garantir a segurança desses vestígios e memórias. “Mesmo liberando a área, sabemos que vamos perder patrimônio arqueológico, mas ao mesmo tempo, não podemos proibir as pessoas de construir, mas acompanhar para que esse trâmite seja feito da maneira mais responsável possível”, acrescenta Filipi.
Sobre o caminho ideal a ser seguido por moradores e empresários que desejam construir no quarteirão embargado, o arqueólogo cita como primeiro passo o envio de um e-mail para o parque nacional ([email protected]), com informações como o CPF ou CNPJ, documento de propriedade, além do pré-projeto da obra e um memorial descritivo. “Basicamente, uma descrição de como essa obra vai ser feita, se vai ter escavação”.
Estando tudo ok, é feito um Termo de Referência e primeiro passa por São Miguel e depois para Porto Alegre assinar. O problema, de acordo com Filipi, está na falta de servidores para analisar os processos. “O Iphan é um órgão de apaixonados, porque somos muito poucos. Nós somos um time de futsal jogando campeonato de onze, sem reservas com turno e retorno”. Atualmente são 4 pessoas para todas as demandas do RS todo. Sendo que uma das arqueólogas assumiu recentemente.
Filipi cita a necessidade de ao menos um estagiário para ajudar nas demandas. “Os nossos processos não são simples, porque temos umas cinco, seis formas de protocolar no sistema”. O responsável cita também demandas judiciais e de obras públicas que geram urgência e acabam por interromper outros processos. Filipi reconhece a preocupação e a frustração dos empresários locais e comenta sobre a contratação de um arqueólogo pela prefeitura. “Se tiver um arqueólogo municipal, ele vai ter uma permissão única para toda essa área, sem contar que o empreendedor não vai precisar gastar para contratar um arqueólogo”, explica.
Enquanto a situação não muda, os moradores e empreendedores locais seguem tendo que adiar seus projetos e o centro de São Luiz Gonzaga segue embargado. Longe de querer questionar o trabalho do Iphan, a população solicita apenas que seus apelos sejam ouvidos e respondidos. Por outro lado, o Iphan precisa e depende de investimentos, valorização e, principalmente, capital humano, ou seja, mais servidores, para exercer seu papel de forma eficiente na sociedade.
Entrevistas: Luiz Oneide – Texto: Micael Olegário
Fonte: Rádio São Luiz