Reunião entre o presidente do Iphan e gestores de São Miguel das Missões e São Luiz Gonzaga definiu o andamento dos processos. Saiba como é a realidade das construções em outras cidades missioneiras

Foto: Assessoria de Imprensa da Prefeitura de São Miguel das Missões

Uma reunião entre o presidente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Leandro Grass, e gestores municipais das Missões definiu a criação de uma força-tarefa para analisar os processos em atraso de construções nos municípios da região. Participaram também o superintendente do Iphan em Porto Alegre, Rafael Pavan e a secretária de Cultura do RS, Beatriz Araújo. O encontro foi realizado em São Miguel nesta segunda-feira, 18, e contou com a presença do prefeito de São Luiz Gonzaga, Sidney Brondani, cidade onde alguns projetos aguardam há mais de anos por uma resposta do Iphan.

Receba nossas notícias pelo WhatsApp

Reportagem produzida pela Rádio São Luiz FM 100.9 na última semana, mostrou a luta de moradores e empresários locais para terem seus projetos de construção em quadrilátero do centro de São Luiz Gonzaga analisados. O Iphan aponta a falta de servidores como a principal dificuldade para dar seguimento aos processos. No início do ano, o órgão contava com apenas dois arqueólogos para dar conta da demanda de todo o estado. Atualmente são quatro e, em nota, o Iphan afirma que já solicitou a abertura de novos concursos ao Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos. 

De passagem pela região para a entrega das obras de requalificação urbanística do Sítio Arqueológico de São Miguel Arcanjo, o presidente do Iphan ouviu as demandas dos gestores locais. Presente na reunião, o vice-prefeito de São Miguel das Missões, Rodrigo Ribas, fez uma avaliação das principais pautas do encontro. Segundo ele, o tema principal foi os projetos de arqueologia, seguido da abertura do museu de São Miguel.

“Foi firmado um compromisso, o presidente do Iphan firmou um compromisso de fazer uma força-tarefa, para que até 28 de fevereiro seja resolvido esse saldo de projetos dentro do Iphan, aguardando análise”, afirma Rodrigo Ribas. Ainda de acordo com o gestor, no futuro a ideia é centralizar os projetos dos municípios com profissionais especializados para agilizar as demandas relacionadas à arqueologia na região. “Vamos ter esperança, saímos daqui otimistas”, acrescenta o vice-prefeito.

Procurado para comentar o assunto, o diretor do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado do Rio Grande do Sul (Iphae-RS), Renato Savoldi, ressaltou a importância da região das Missões para a cultura regional, nacional e mundial. Sobre a possibilidade do órgão estadual colaborar nos processos de análises do Iphan, o diretor manifestou que existe possibilidade, desde que sejam feitos acordos para isso. “Tudo é possível, contanto que bem estruturado, porque Iphan e Iphae possuem normativas e regramentos. Temos que sentar e discutir para ver como podemos auxiliá-los, visto que tratamos da mesma temática que a preservação do patrimônio”, explica Renato Savoldi.

Empresário espera licença para construir Parque Astronômico em São Miguel

São Miguel das Missões é a cidade que possui a maior porção da história das reduções preservada, principalmente por conta das ruínas da igreja consideradas Patrimônio Cultural da Humanidade pela Unesco. É justamente por considerar essa riqueza histórica que o empresário Carlos Augusto Silveira fundou a Pousada das Missões e pretende construir um Parque Astronômico na região, no entanto, assim como os empreendedores de São Luiz Gonzaga, Carlos enfrenta dificuldade em obter resposta do órgão. “Já comprei todos os telescópios, tenho tudo montado, em uma espera de mais de um ano para que alguém me libere. Já contratei um arqueólogo e não tenho a licença para ir lá fazer o trabalho”, acrescenta.

Outro elemento criticado pelo turismólogo e professor universitário aposentado é a forma como é feito o acesso ao sítio arqueológico e ao museu de São Miguel. “As pessoas chegam, querem entrar e pagar com cartão, que é a coisa mais simples que tem, um cartão ou um PIX e não podem, só dinheiro, isso dificulta muito. E nada se pode, você não pode entrar com alimento, você quer fazer um piquenique, não pode, você quer entrar com violão para gravar um vídeo, tudo que possa divulgar o patrimônio eles criam dificuldade”, reclama Carlos Augusto. 

O empresário também menciona a rotatividade dos profissionais que trabalhavam no Parque Histórico Nacional das Missões, administrado pelo Iphan, como um dos fatores que impede o prosseguimento das solicitações da comunidade. “Menos mal que o rapaz que hoje está no escritório do Iphan em São Miguel das Missões, é muito gente boa. Ele visita os locais que demandam uma resposta dele. É um rapaz muito interessado, muito simpático, mas que não tem poder, tudo vai para Porto Alegre ou vai para Brasília, realmente é uma pena”, pontua. Segundo ele, durante os últimos 20 anos era comum que funcionários abandonassem o sítio para buscar alternativas melhores de renda e trabalho.

Foto: Site Prefeitura de São Miguel das Missões

Sobre as questões relacionadas à entrada no parque, o arqueólogo e chefe do Parque Histórico das Missões, Filipe Pompeu, esclarece que a dificuldade de pagamento por pix está relacionada com o fato do parque não possuir conta em banco e os recursos terem de ser enviados diretamente para Brasília. “Esse dinheiro não fica em São Miguel, não temos gestão desse recurso e a questão do pix tem relação direta com isso”. Segundo o arqueólogo, existe uma proposta para incluir o pagamento digital em breve.

Em relação aos piqueniques e gravações feitas na redução, Filipe Pompeu pontua que se pede para as pessoas o recolhimento dos lixos, no entanto, é permitido fazer piquenique e entrar com alimentos no parque. “Já foi proibido uma época e estou pensando em proibir de novo, porque as pessoas estão deixando muito lixo”. A intenção é criar um site para o parque com informações sobre as normas de entrada e também o uso de direitos autorais para fazer gravações no local. “Cobramos o direito de imagem, porque é custoso manter uma ruína”, afirma o arqueólogo.

A situação em São Borja e a necessidade da construção de uma identidade missioneira

Em São Borja, primeira dos Sete Povos das Missões, obras para a construção de um Centro de Atendimento ao Turista na praça central da cidade foram interrompidas pelo Iphan por conta da necessidade de estudos arqueológicos, em outubro de 2021. Apenas em dezembro de 2022, o embargo foi retirado e as obras foram retomadas. O município, no entanto, é um dos que menos possui vestígios das reduções jesuíticas, a Igreja Matriz, por exemplo, foi reformada na década de 60 em estilo modernista e deixou de possuir as características das igrejas jesuíticas.

Igreja Matriz foi reconstruída e perdeu estilo missioneiro – Foto: Diocese de Uruguaiana

Doutor em História pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e professor da Universidade Federal do Pampa (Unipampa), em São Borja, Rodrigo Ferreira Maurer defende a preservação do espaço das reduções, como uma forma de potencializar o turismo e a valorização da identidade local. “Como defensor de que tudo que tenha que ficar na terra é por conta dos nossos antepassados, nós estamos a testar as reduções como parte disso. Cabe a nossa geração do tempo presente identificá-las como parte importante do todo’. O historiador contextualiza a forma como se formaram as reduções, geralmente, na beira de rios, como é o caso de São Borja.

“Dentro dessa delimitação cuidadosamente reconhecida, ali se tinha uma igreja, tinha o colégio, tinha possivelmente algumas capelas ao entorno do desenho geoambiental da época, e que procuravam junto disso também concluir alguns armazéns ou ainda oficinas”, explica o professor, que indica a semelhança desse modelo com cidades europeias. 

Segundo Rodrigo Maurer, as Missões possuem um enorme potencial para o ecoturismo e a educação patrimonial e sócio-histórica. “Como é que eu entendo a distribuição de uma praça missioneira tendo em conta outros agentes, inclusive os trabalhos informais? Por que não pensar formas de conscientizá-los da importância disso e a partir disso conscientizar também o grande mercado? Um empreendedor que saiba utilizar o logo de Missões, ele não está somente fazendo um serviço para a sua empresa, ele está se apresentando para o mundo. Por quê? Porque Missões é uma marca mundial”, pontua o historiador.

Na visão do professor, os municípios e a população local precisam trabalhar para fortalecer o urbanismo regional de forma a preservar o potencial e a história das Missões, inclusive, como uma forma de alavancar a economia. Um dos exemplos de como aliar o desenvolvimento com a preservação patrimonial vem de Santo Ângelo, cidade que criou um Centro Histórico Missioneiro e que possui um arqueólogo para auxiliar a população nas demandas de construções já há bastante tempo.

Projeção mapeada é das atrações para os turistas em Santo Ângelo – Foto: Fernando Gomes/Prefeitura de Santo Ângelo

O exemplo de Santo Ângelo

Formado em arqueologia e funcionário da prefeitura municipal de Santo Ângelo entre 2021 e 2023, Cristiano de Jesus participou de muitos processos de construções e estudos arqueológicos na cidade. O especialista explica a forma como se deu a transformação dos centros de cidades como São Luiz Gonzaga, São Borja e a própria Santo Ângelo.

“Quando chega o repovoamento nessas cidades, é autorizado pelas autoridades competentes daquele período que utilizem as pedras para construir novas edificações. E com isso faz um apagamento dessa história visível. Então o que acontece? Nessas cidades de Santo Ângelo, São Luís e São Borja, o que tem das reduções está enterrado. Por isso que aí entra a questão de cobrar um pouco das pesquisas arqueológicas nestes município”, esclarece Cristiano.

Um dos diferenciais que o profissional aponta em Santo Ângelo é o fato do município ter se adiantado e criado leis próprias para cuidar das questões patrimoniais, assim como possuir um arqueólogo desde 2013. “Na hora de fazer uma obra, a própria prefeitura já tem alguém que vai adiantar e fazer o processo, fazer a pesquisa e depois, esse próprio arqueólogo que vai entrar em contato com o Iphan”. De acordo com Cristiano, a presença desse profissional no município agiliza bastante as demandas.

Outro ponto mencionado pelo arqueólogo é a necessidade dos gestores e políticos cobrarem o governo federal para melhorar o plano de carreira dos funcionários do Iphan, o que, na visão de Cristiano, poderia responder ao problema de rotatividade citado pelo empresário Carlos Augusto de São Miguel. “Se você já tem um arqueólogo que está lá, quando ele recebe a demanda, já está com o projeto, com a portaria na mão, então aí já vai direto e daqui a três meses manda para o Iphan e já libera aquela área”, descreve Cristiano.

Na nota enviada à pedido da reportagem, o órgão também destacou a importância dos municípios possuírem arqueólogos em seu quadro funcional. “Tem sido recomendado aos gestores dos municípios missioneiros a contratação de técnicos de arqueologia, a fim de orientar os empreendedores, assim como os municípios, para atualizarem os cadastros de sítios existentes, o que pode contribuir muito para a celeridade das análises dos processos junto ao Iphan”, aponta a nota do Iphan.

Cristiano também menciona a relevância dos projetos de preservação patrimonial aliados ao desenvolvimento para atrelar valor às construções feitas em Santo Ângelo. “Hoje na região da praça, da catedral, a gente tem imóveis que estão sendo construídos com valor altíssimo, porque atrela o desenvolvimento com a história. Então, agregando valor à história, o patrimônio, nesse caso, agrega valor a um imóvel novo”, destaca o arqueólogo.

Segundo o prefeito Sidney Brondani, o município de São Luiz Gonzaga pretende contratar um arqueólogo em breve, o que, segundo especialistas e o próprio Iphan, pode ser decisivo para acelerar os processos em atraso, para além da concretização da força-tarefa prometida pelo presidente do órgão. Além disso, as considerações feitas pelo professor Rodrigo Maurer e pelo arqueólogo Cristiano de Jesus apontam para a necessidade de aliar preservação e desenvolvimento, o que também é almejado pela população e pelos gestores locais.

Por: Micael dos Santos Olegário

Fonte: Rádio São Luiz