Dilemas na privatização da Corsan trazem incertezas sobre futuro dos serviços de água e saneamento no Estado

Foto colorida de estação de tratamento da Corsan em Santa Rosa

Companhia foi vendida para o Grupo Aegea – Foto: Divulgação/Corsan

A privatização da Companhia Riograndese de Saneamento (Corsan) tem gerado uma série de disputas judiciais e um quadro de incertezas sobre o futuro dos serviços de saneamento básico no Rio Grande do Sul. Na última segunda-feira, 23 de janeiro, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) aprovou a venda da companhia à empresa Parsan e Saneamento Consultoria (Sanco), que pertence ao Grupo Aegea. Cercado por dilemas e discussões, o tema envolve a prestação de serviços essenciais para a saúde e qualidade de vida das pessoas.

De acordo com dados do Atlas Esgotos, no Brasil, somente 55% da população possui tratamento de esgoto considerado adequado. Além de comprometer a qualidade da água e afetar a saúde da população, a falta desse serviço impacta mais de 110 mil km de trechos de rios, poluídos devido ao excesso de carga orgânica.

No Estado do Rio Grande do Sul, dados de 2021 do Sistema Nacional de Informações de Saneamento (SNIS), apontam que apenas 34,2% da população possui serviços de tratamento de esgoto e 86,9% tem acesso à rede de água. Em São Luiz Gonzaga, segundo o Índice de Desenvolvimento Sustentável das Cidades (IDSC), com dados do SNIS, apenas 45,5% da população é atendida com esgotamento sanitário e 88,41% possui abastecimento de água. Números que revelam a necessidade de soluções para o setor.

Por conta deste cenário, em 2020 foi aprovada a lei n° 14.026 que atualizou o marco legal do saneamento básico no Brasil. Além de estabelecer padrões de qualidade e eficiência na prestação, manutenção e operação dos sistemas de saneamento básico, a nova legislação define metas para a universalização dos serviços de água e esgoto no país. Segundo o marco, até 2033, 99% da população deverá ter acesso a água potável e 90% ao tratamento adequadro de esgoto.

É com base nos dados sobre saneamento básico e nas metas do novo marco do setor, que se discute a privatização da Corsan. O governo do Rio Grande do Sul alega que a venda da companhia é uma alternativa para estimular os investimentos necessários para atingir as metas de universalização dos serviços no estado, que giram em torno de R$ 10 bilhões no total. 

O certame de venda da Corsan foi realizado em dezembro, com o valor de R$4,151 bilhões, quase igual ao lance mínimo estabelecido em R$4,1 bilhões. No entanto, o estado permanecerá como acionista controlador da Corsan até a efetiva data de assinatura do contrato, prevista para março. Os embates judiciais e as discussões sobre a privatização da companhia trazem à tona reflexões sobre a qualidade dos serviços a serem prestados pela iniciativa privada e também os impactos financeiros para a população.

Apesar do estímulo feito às privatizações com o novo marco legal do saneamento básico, a alternativa não é consensual e existem, inclusive, exemplos de reestatização dos serviços em outros países. De acordo com o professor visitante na Universidade Federal do Rio Grande (FURG), Faculdade de Direito (FaDir), Thelmo de Carvalho Teixeira Branco Filho, o debate sobre a privatização ou não da Corsan deve levar em consideração os direitos humanos e a qualidade da universalização dos serviços.

A partir da obra do especialista em saneamento básico e direitos humanos e ex-relator da Organização das Nações Unidas (ONU), Léo Heller, Branco Filho explica que existem três tipos de privatização: desinvestimento total, quando todos os ativos são transferidos para a empresa privada; affermage, quando os serviços são transferidos por um período determinado, mediante uma taxa; e BOT, quando empresas constroem e operam infraestruturas que depois são transferidas para o poder público. O modelo proposto para a Corsan é o primeiro, com a concessão total dos ativos.

Segundo Branco Filho, que também é pesquisador do Centro de Síntese Cidades Globais da Universidade de São Paulo (USP), é preciso refletir sobre a responsabilidade do Estado em prestar esse tipo de serviços que atendem as necessidades básicas da população. O especialista cita a regionalização descompromissada com parâmetros técnicos, a possível perda de valor da empresa e o aumento nas tarifas repassadas à população, como riscos da privatização total. Ainda segundo ele, “no caso de uma privatização, os pequenos municípios serão atingidos de forma mais significativa”.

Uma alternativa apontada pelo professor é de um modelo participativo e construtivo com parcerias entre a iniciativa privada e o Estado. “Sabemos que grande parte dos municípios têm dificuldade com o saneamento básico, e isso são questões relacionadas a vida humana”, acrescenta. 

Como demonstram os dados, essa é uma questão urgente e demanda soluções do poder público. De acordo com o especialista, um olhar de médio e longo prazo é necessário para pensar em estratégias que realmente possam beneficiar a população e atingir a universalização dos serviços. “Independente da forma que o serviço é prestado, temos que olhar para os direitos humanos”, complementa Branco Filho.

Fonte: Rádio São Luiz

Por Micael dos Santos Olegário