O contexto e as marcas 132 anos depois da primeira Constituição Republicana do Brasil


Texto trouxe marcas importantes para o país – Pintura: “Proclamação da República” – óleo sobre a tela – Benedicto Calixto, 1893
No dia 24 de fevereiro de 1891 foi promulgada a primeira Constituição Republicana no Brasil. Dois anos após um golpe militar liderado pelo Marechal Deodoro da Fonseca, com o apoio das elites políticas e econômicas da época, transformar o país de uma monarquia para uma república.
Receba nossas notícias pelo WhatsApp
Em meio a disputa de interesses, sobretudo econômicos, o primeiro período republicano ficaria conhecido como República Velha e seria marcado pela política do “café com leite”, no qual as elites cafeeiras de São Paulo e Minas Gerais eram as protagonistas da política nacional.
O professor de História do Instituto Federal Farroupilha (IFFar) e mestre em Integração Latino Americana pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Alexander da Silva Machado, explica alguns elementos do contexto social, político e econômico da época, e que levaram o Brasil a implementar a República.
Segundo Alexander Machado, a visão dos movimentos que aconteciam naquele período é essencial para entender o que foi estabelecido pela Constituição. “Sempre a legislação vai amarrar uma realidade existente anteriormente”. Entre as principais marcas desse texto, o professor cita avanços no sentido do liberalismo econômico, além do ideal republicano de divisão dos três poderes e direitos individuais.
De acordo com o professor do IFFar, é da primeira Constituição republicana o estabelecimento de um Distrito Federal fora do territórios dos demais entes da União e também no Planalto Central, o que viria a se consolidar no período da República Liberal de 1945 a 1964. Para ele, ainda que seja difícil estabelecer um parâmetro com a atualidade, esse primeiro texto republicano estabelece o entendimento do que deveria ser o Brasil a partir de então.
O contexto da primeira Constituição Republicana
Machado comenta sobre o cenário agrário e de recém abolição da escravatura no Brasil do final do século XIX. “A primeira coisa que influencia a mudança do Segundo Reinado para a República é a abolição da escravidão, um processo que ocorre ao longo do século”, destaca.
Alexander Machado cita algumas legislações que levaram à abolição no Brasil com a lei Áurea em 1888. Apesar de ser uma importante conquista nacional, ela não foi seguida de políticas de ressarcimento ou integração dos africanos e seus descendentes trazidos ao Brasil para o trabalho escravo. O que, de acordo com o professor, ajudou a agravar as desigualdades sociais no início do período republicano do país.
Antes ainda, durante o período da monarquia no Brasil, existia o chamado “padroado régio”, que determinava a escolha pela Coroa de quem iria ocupar cargos eclesiásticos e recolher impostos do dízimo. No entanto, a Igreja Católica estava preocupada com o crescimento da maçonaria, que por sua vez era apoiada pelo imperador Dom Pedro II.
Segundo Machado, essa situação levou ao fim do padroado régio e também do apoio do Papa à monarquia brasileira. “A Igreja acaba virando uma instituição não contrária à monarquia, mas em cisão com a monarquia do Brasil”, complementa. Na América Latina, os regimes republicanos também ganhavam força e exerciam pressão sobre o país.
O liberalismo e o papel dos militares
O iluminismo e o liberalismo, em especial pautado pelo crescimento da industrialização na Inglaterra, foi um dos principais elementos de pressão para o fim do período escravista no Brasil. A fundação do Partido Republicano em 1873 em São Paulo também foi responsável por estimular a abolição e depois a República. “É o partido republicano que vai criar ideias e semear isso”, explica o professor Alexander Machado.
A mudança de visão sobre a economia, seja do ponto de vista externo, como interno, começava a transformar a sociedade no final do século XIX. “O mundo capitalista está trabalhando com os ideais de liberdade do comércio e da produtividade, e de quanto essa produtividade é mais vantajosa, dá mais lucro, do que trabalhar com mão de obra escrava”. Machado explica que a instauração da república também atendia aos interesses das elites brasileiras em lucrar com outros setores, além da exportação de matérias-primas.
O prestígio e protagonismo dos militares brasileiros na Guerra do Paraguai é citado como outro fator que levou ao golpe republicano. “Há uma insatisfação em função dos soldos e de que houve algumas promessas de que os mortos na guerra seriam atendidos pelo estado e não foram”, contextualiza o docente do IFFar.
O positivismo e o liberalismo também influenciaram o crescimento de profissões autônomas, como advogados e médicos, que por sua vez, buscavam ter seus interesses atendidos por meio de um regime mais aberto. Apesar disso, a participação da população em geral foi muito restrita em todo o processo de proclamação da República.
A participação da população
O professor Alexander Machado afirma que existiam insatisfações com o sistema monárquico por parte das classes mais populares, mas que existem discussões sobre se a instauração da república efetivamente trouxe mais direitos a essas pessoas.
“O estabelecimento do voto só dos alfabetizados, que vem com a república, exclui muitas pessoas, e teoricamente exclui muitas pessoas com posses que passaram a não poder votar, há uma grande discussão sobre isso”, comenta o professor. Em relação ao quantitativo, na época da monarquia cerca de 3% da população participava da política, número que só foi subir depois de muitos anos.
Um paralelo entre 1891 e 1988
Ainda que entre 1891 e 1988 tenham vigorado outras quatro Constituições, aprovadas respectivamente em 1934, 1937, 1946 e 1967. Existem elementos que podem ser citados como bases para os demais textos republicanos e que estiveram presentes em 1891.
Segundo Alexander Machado, a principal diferença entre as duas cartas está na participação social. Apesar disso, é dessa primeira Constituição republicana as ideias de voto direto e divisão do legislativo em duas casas, com espaços distribuídos segundo a população de cada estado. “A raiz da nossa Constituição de 1988 está lá na de 1891, por todos os aspectos de como se entende o funcionamento do Estado”, destaca.
Machado comenta sobre a falta de compromisso com a educação pública e gratuita e logo a exclusão das pessoas com poucas condições econômicas para buscar instrução, o que na época, impossibilita a participação política. A preocupação com a igualdade e equidade social só se estabeleceu com a Constituição Cidadã de 1988. “Dá para dizer que a Constituição de 88 é baseada em direitos sociais, que não estavam garantidos nos textos anteriores”.
O professor aponta também como fator importante “a inclusão de novos atores sociais através da Assembleia Constituinte em 1988, como os povos indígenas, que são reconhecidos como pessoas de direitos e que devem manter a sua forma de viver dentro do Estado brasileiro”, acrescenta.
Outras conquistas citadas por Machado e consolidadas pelo atual texto constitucional são o voto feminino, os movimentos sociais e cláusulas pétreas como a separação dos três poderes e os direitos individuais.
Por Micael dos Santos Olegário
Fonte: Rádio São Luiz