As raízes da estiagem nas Missões e as alternativas para a produção agrícola

foto colorida de campo de milho com céu azul e nuvens

Especialistas em agronomia falam sobre os fatores relacionados a estiagem na região – Foto: Pexels

A estiagem é uma das fontes de maior preocupação e aflição para os produtores e para as economias da região das Missões, no noroeste do Rio Grande do Sul. Angústia e inquietação que vêm se repetindo com frequência nos últimos anos. Durante o final de 2021 e início de 2022, 426 municípios decretaram situação de emergência por conta da seca no estado. Atualmente são 76, mas o número está crescendo e desperta um alerta na região que é fortemente ligada à agricultura e ao plantio da soja e do milho.

Uma safra ruim e uma colheita fraca representam uma queda na economia local e impactos na vida e na mesa da maioria da população. Em São Luiz Gonzaga, o prefeito Sidney Brondani decretou situação de emergência nesta sexta-feira, 13, citando um prejuízo de R$232 milhões no município por conta da estiagem.

No último ano, o fenômeno “La Niña” foi um dos responsáveis pelo grau de severidade da seca no estado. No entanto, o problema enfrentado pelo Rio Grande do Sul, e pelo Brasil de um modo geral, é maior, mais complexo e tem diversos fatores relacionados.

Especialista em agroclimatologia, o professor de Agronomia da Universidade Federal do Pampa (Unipampa), Cleber Maus Alberto, aponta que em anos de La Niña naturalmente a produtividade agrícola tende a diminuir. Ele comenta a necessidade de observar as características de cada região para a formulação de políticas públicas de longo prazo na área. “O problema é que todo mundo só pensa na estiagem quando ela já está implantada”, lamenta Cleber Alberto.

Doutor em fitotecnia e professor de Agronomia da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (Uergs), Rafael Narciso Meirelles, explica um pouco sobre o contexto histórico e estrutural da estiagem que afeta a região das Missões e a população gaúcha. Segundo ele, o estado já possui características de déficit hídrico nos meses de dezembro, janeiro e fevereiro. “Agora temos um agravamento da situação por conta de diversos fatores, como o aquecimento global”, acrescenta o especialista. 

O também docente da Unipampa e doutor em Extensão Rural, Vínicius Piccin Dalbianco, comenta que a previsão é de um enfraquecimento do La Niña por volta da metade do ano. Ainda segundo o professor, o fenômeno tem afetado mais a metade sul do país e do estado, sendo a produção de leite uma das que mais sofrem com a estiagem.

De acordo com Dalbianco, os efeitos da estiagem incidem com maior força sobre “os médios e pequenos produtores que dependem quase 90% de financiamento para poder fazer sua safra seguinte”. Como um exemplo, o professor estima a redução de 18% dos produtores de leite entre 2021 e 2022. Isso ocorre, pois “o produtor fica praticamente descapitalizado e não consegue melhorar o equipamento, uma instalação ou fazer investimentos”, acrescenta Dalbianco.

Segundo os três especialistas da área de agronomia, existem diversos elementos que podem agravar o problema da seca. Alguns deles também citam algumas estratégias que, se não forem realizadas de modo correto e bem planejado, podem piorar o quadro da estiagem e prejudicar ainda mais o solo da região e consequentemente a produção agrícola.

As raízes do problema e a questão da irrigação

Foto colorida de campo sendo irrigado por trator

Construção de barragens dividem opinião dos especialistas – Foto: Pixabay

De acordo com o professor Rafael Meirelles, o problema da seca no Rio Grande do Sul começa no norte do país, pois “o desmatamento na Amazônia afeta a zona intertropical que abastece os rios e deveria descarregar água no Sul”. Esse desequilíbrio provoca uma série de efeitos em diversas regiões do Brasil, inclusive, no Rio Grande do Sul. 

Na mesma direção, o professor Vinícius Dalbianco cita a necessidade de políticas voltadas para a recuperação de áreas verdes e biomas brasileiros. “Resolver o problema da seca no Brasil e no Rio Grande do Sul é pensar na conservação ambiental e ter programas públicos que incentivem e financiem os agricultores para voltar a ter áreas verdes”, complementa o especialista.

A falta de cobertura vegetal do solo é outro elemento citado por Dalbianco ao comentar sobre a estiagem. O docente critica práticas como o uso de canaletas em lavouras. Segundo ele, nestes solos expostos, compactados e sem cobertura vegetal, a água escorre e leva nutrientes e fertilizantes presentes principalmente nos dez primeiros centímetros do solo. “Isso leva ao assoreamento de rios e causa inclusive a queda na produtividade, porque os fertilizantes vão embora”, detalha Dalbianco.

Por outro lado, para Meirelles existe um elemento interno que potencializa a seca no estado e região – a prática das barragens. “Você tem uma estiagem e para combater ela se fazem barragens para a irrigação, quando se faz isso, interrompe-se aquela água que desceria na bacia hidrográfica, através de um córrego. Então o córrego seca e não vai abastecer os rios”, detalha o professor da Uergs. 

Essa visão, no entanto, é contrastada por Cleber Alberto, que vê nos estudos de impacto ambiental e uso eficiente da água, com armazenamento do excedente dos meses de inverno, uma possível solução para o problema. Segundo ele, a irrigação e as barragens são um seguro para os produtores. “Temos que armazenar água quando ela está disponível, para usar quando ela não estiver”, afirma.

O cuidado ambiental e a análise do custo-benefício dos reservatórios para irrigação são destacados por Alberto. Outro ponto de atenção levantado por ele, é sobre a preservação e recuperação das matas ciliares em rios e córregos, que protegem o ambiente, retém nutrientes e evitam a poluição dos cursos d’água. Segundo o especialista da Unipampa, essas medidas podem evitar a perda de água e a redução do seu volume.

Sobre esse mesmo ponto, Dalbianco pondera que os reservatórios e a irrigação são essenciais para abastecer a população em épocas de estiagem, no entanto, práticas de perfuração de poços artesianos para abastecer pivôs de irrigação em lavouras podem agravar o problema da seca. Segundo estudos citados por ele, essa prática “tem reduzido banhados e áreas úmidas e isso é um indicador da altura do lençol freático”. 

O professor também Dalbianco esclarece que a saída para a seca não pode agravar ela, o que afeta principalmente famílias de pequenos e médios produtores. “Ao tentar resolver o problema de secas, temos contribuído para extrair água doce direto do lençol freático, o que aumenta o problema para outras famílias que dependem de água para beber”, explica o especialista.

As alternativas possíveis para a agricultura

foto colorida de campo de milho

Políticas de longo prazo são essenciais para o futuro da agricultura – Foto: Pexels

O planejamento das safras a nível de governo, a cooperação entre entes públicos, os investimentos em políticas de médio e longo prazo, são pontos destacados pelos três professores com relação ao combate da estiagem. Adaptar os calendários produtivos e aumentar a conservação e cuidado com o solo são outros elementos importantes.

Vinícius Dalbianco destaca o uso de camadas de proteção vegetal como uma forma de aumentar a retenção de água e a fertilidade do solo. “O solo exposto pode chegar a uma temperatura de até 60° no forte do verão, o mesmo solo em uma mesma região, com uma proteção vegetal, não chega a 30°”, explica o professor.

Rafael Meirelles afirma que o enfrentamento desta e de futuras estiagens na região passa por alterações no perfil da produção agrícola, com uma maior diversificação das culturas. “Temos que fazer um retorno para o melhoramento de sementes clássico, para cultivar variedades resistentes à seca”, acrescenta ele.

Por sua vez, Cleber Alberto cita o aumento dos estudos de impacto ambiental e o oferecimento de linhas de créditos para sistemas de irrigação como alternativas para a agricultura. O professor também ressalta a necessidade de “políticas públicas no sentido técnico, de obtenção de dados para aumentar a eficiência da irrigação”. A parceria entre pesquisadores e produtores é um dos caminhos para atingir esses objetivos.

O aumento de reservatórios e cisternas também é apontado como uma estratégia possível.  Dalbianco considera que o investimento em cisternas deve ser uma política pública tanto para o meio rural, como para o urbano. “Na cidade temos dois efeitos: um é para a pessoa lavar o carro, molhar o jardim e o outro é reduzir os transtornos quando se tem grandes índices de precipitações”, detalha o especialista. Segundo ele, essa prática ajuda a reservar melhor a água por mais tempo e com mais facilidade para o tratamento.

Outra importante política apontada pelo professor Dalbianco é a “intervenção nos processos técnicos produtivos para considerar os calendários de seca na forma e nos calendários de plantio”. O especialista afirma ser urgente transformar as práticas agrícolas em ações conservacionistas para melhor cuidar do solo. 

Todas essas medidas em conjunto podem colaborar não só colaborar para mitigar a estiagem, mas para melhor preparar agricultores, a economia e população para a recorrência do problema no futuro. “Não se combate a seca, você convive com ela”, destaca Vinícius Dalbianco.

Fonte: Rádio São Luiz

Por Micael dos Santos Olegário